quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Os Globos de Ouro - texto de Jorge Mourinha

Muito bom texto do Jorge Mourinha sobre a "pantominice" dos Globos de Ouro.
Como serão os Oscares? Iguaizinhos a si próprios, certamente.


19/1/2011

Os Globos de Ouro gostam mesmo do Facebook?
2011 vai ficar para a história como o ano em que os Globos de Ouro foram finalmente revelados publicamente como irrelevantes - e o ano em que (se calhar por causa disso...) geraram mais interesse do que nos seus anteriores 67 anos E que o diplomático vencedor da noite tenha sido A Rede Social, o controverso e aclamado filme de David Fincher sobre o nascimento do site Facebook e a ascensão vertiginosa do seu criador Mark Zuckerberg, parece ser perfeitamente apropriado a um ano depois do qual dificilmente os galardões continuarão como até aqui.
Um ano francamente difícil para a Associação da Imprensa Estrangeira de Hollywood, cuja centena de membros, jornalistas internacionais sediados em Los Angeles, votam nos Globos. Primeiro, as nomeações 2011 trouxeram muita perplexidade e não poucas gargalhadas, com a presença entre os nomeados do musical Burlesque, com Cher e Christina Aguilera, arrasado pela crítica e longe de ser um sucesso de bilheteira, e de Johnny Depp, citado duas vezes para melhor actor de comédia ou musical por Alice no País das Maravilhas e O Turista - filmes que não são nem comédias nem musicais.
A irrelevância destas nomeações, confirmando o rumor de que muitas vezes os nomeados são escolhidos pelo seu factor de celebridade mais do que pelo seu talento ou qualidade, foi ampliada por dois mini-escândalos que vieram colocar a Associação na berlinda. O grupo processou a Dick Clark Productions, que produz anualmente a cerimónia televisiva e que alegadamente teria tentado renegociar os direitos de transmissão com a cadeia NBC à revelia da associação. Ao mesmo tempo, Michael Russell, ex-relações públicas da cerimónia, veio processar a entidade por considerar ter sido despedido sem justa causa, depois de ter levantado reservas a transacções obscuras entre estúdios de Hollywood e membros da associação (alegadamente com vista à compra de votos em filmes específicos).
Não espanta por isso que a cerimónia de 2011 tenha sido particularmente desconfortável. Ricky Gervais, o comediante inglês que apresentou os Globos pela segunda vez, lançou uma série de piadas ácidas à volta das polémicas que "arrefeceram" o ambiente na sala, caíram mal junto da organização e quase garantem que não voltará a ser convidado. Mas também Christian Bale, ao agradecer o prémio de melhor actor secundário, e Robert de Niro, que recebeu um prémio de carreira, não se coibiram de lançar indirectas à associação. (Não por acaso, ambos são conhecidos pela falta de paciência para o jogo da promoção.)
Talvez para compensar toda a turbulência que rodeou a cerimónia, as escolhas dos votantes foram essencialmente opções seguras que vieram confirmar os "favoritos" para os Óscares que têm emergido nos últimos meses.
Natalie Portman, bailarina em colapso em Cisne Negro, e Colin Firth, improvável rei de Inglaterra a precisar de tratar a sua gaguez em O Discurso do Rei, levaram como se esperava os prémios de representação dramática; nas categorias secundárias, Bale e Melissa Leo, pelo drama de boxe The Fighter, também não surpreenderam. Annette Bening foi melhor actriz de comédia por Os Miúdos Estão Bem, igualmente vencedor do prémio de melhor filme de comédia ou musical; o seu equivalente masculino foi Paul Giamatti, por Barney"s Version (que, já agora, também não é uma comédia).
Verdades relativas
Surpresas, ainda assim, houve algumas. Primeira: a completa ausência dos nomeados de Indomável, o western dos irmãos Coen com Jeff Bridges, Josh Brolin e Matt Damon, que tem dividido a crítica mas se tornou no maior sucesso comercial da dupla até hoje. Segunda: a vitória na categoria de melhor telefilme ou mini-série de Carlos, do francês Olivier Assayas - esta biografia do terrorista Carlos, o Chacal, foi efectivamente produzida para televisão mas tem sido mais vista em cinema, inclusive nos EUA.
A maior surpresa, pela enorme ironia que manifesta, é a vitória de A Rede Social, que arrecadou os prémios de melhor filme dramático, melhor realizador e melhor argumento. Vitória por um lado previsível, por ser o grande filme de prestígio que Hollywood estreou em 2010, mas por outro algo atípica para os Globos. Porque este é um filme sem estrelas, sem espectáculo, sem glamour de espécie nenhuma, cujo herói é um universitário arrogante que se fecha horas a fio a escrever código informático. Inspirado por um livro de Ben Mezrich sobre a história de Eduardo Saverin, que fez parte da equipa inicial do Facebook antes de ter sido afastado, A Rede Social não contou com a colaboração nem com a aprovação oficial de Zuckerberg - apesar de a empresa ter sido mantida permanentemente informada da produção do filme e o produtor Scott Rudin ter inclusive mostrado o guião e uma primeira montagem a executivos do Facebook.
Zuckerberg recusou-se a ver o filme e não se coibiu de lhe chamar "uma obra de ficção", no que foi coadjuvado por David Kirkpatrick, autor de um livro "oficial" sobre a história do site, que acusou A Rede Social de ser quase inteiramente inventado e "horrivelmente injusto". Confrontado com o interesse gerado pelo filme, pelo seu triunfo junto da crítica e pelo seu assinalável sucesso comercial (que não era um dado adquirido à partida), Zuckerberg (que chegou a oferecer uma sessão do filme aos seus empregados) optou por ignorá-lo. Se alguns acharão que "quem cala consente", outros compreenderão que o filme não é tanto um ataque ao fundador do site como, nas palavras do produtor Scott Rudin, um filme sobre o modo como não há uma verdade absoluta mas várias verdades relativas.
O guionista Aaron Sorkin (autor de Uma Questão de Honra e criador da série televisiva Os Homens do Presidente), aliás, disse publicamente que se baseou mais nas transcrições das audiências dos processos legais que servem de motor ao filme do que no livro de Mezrich, e que nada o movia contra o fundador do site. E nada disto o impediu de, ao receber o Globo de melhor argumento, agradecer a Zuckerberg como "um grande empresário, um visionário e um altruísta incrível".
Diplomático? Certamente. Hollywood é perita nisso. E é por aí que se descobre a ironia enorme da vitória de A Rede Social: premiar um filme aclamado pela sua solidez clássica de construção e premiar os dois homens que assim o fizeram - Fincher e Sorkin - equivale a sublinhar o que já todos disseram e a fazer parecer que há alguma relevância em premiar este filme numa cerimónia acima de tudo diplomática, cujos prémios têm o mesmo valor fugaz de um "gosto" (like) no Facebook. Mas resta saber se esta vitória sóbria vai fazer esquecer as convulsões que revelaram, em 2011, a irrelevância dos Globos de Ouro. Respostas em 2012.
Jorge Mourinha (PÚBLICO)  

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